Uma pergunta que sempre vem à tona nas conversas de quem vive aqui, sobre a questão da educação chinesa é quais os valores que são importantes dentro da sociedade local.
Sabemos que as regras sociais são milenares na China e levadas muito a sério. E por mais que a tecnologia, o progresso, as novas tendências de comportamento e relações estejam presentes em cada canto do País do Meio, percebemos que as raízes de muitas regras sociais (algumas até bastante contraditórias com a nova era) estão ali, firmes e fortes. Pouca coisa as abalam, machucam. Elas se mantém quase intactas.
Em meio a esse turbilhão de contradições que permeia nossa vida de estrangeiro na China, nos deparamos com a dualidade entre o respeito cego, sem questionamentos, e a completa falta de valores para coisas corriqueiras do dia a dia, como dar prioridade a um idoso.
Essa semana publiquei no Instagram @chinanaminhavida, uma foto de uma avó com sua neta e o texto que segue:
Porque aqui são os avós que cuidam dos netos.
Na porta das escolas, nos parques, shoppings e restaurantes geralmente quem está acompanhando os bebês e crianças são seus avós. É um costume milenar, que tem algumas curiosidades:
– a maioria são os avós paternos;
– muitos pais deixam seus filhos nas cidades menores, nas vilas ou zona rural aos cuidados dos avós, e vão buscar oportunidades nas grandes cidades;
– dentro das condições acima, muitos pais só encontram com seus filhos duas vezes por ano, nos grandes feriados que há na China, ano novo chinês e Golden week;
– nas cidades como Shanghai e Beijing, por exemplo, os pais e avós moram juntos e os primeiros só se ausentam no horário de trabalho.
– nas 3 décadas que a lei do filho único estava em vigor e o poder aquisitivo da população em ascensão, cuidar do único neto que os avós (tanto maternos, como paternos) iriam ter, era uma questão de honra.
Alguns desses costumes estão mudando pouco a pouco, principalmente nos grandes centros, pois muitos jovens casais não querem mais deixar os filhos com os avós.
Mas ainda são minoria, frente à população chinesa.
O que vemos hoje, são crianças super mimadas, filhos e netos únicos, uma geração chamada de ‘os pequenos imperadores’.
Só o tempo dirá o quanto isso vai influenciar essa geração.
A foto, que considero linda, reflete um desses costumes que estão com suas raízes bem fortes e profundas. Um hábito que nos encanta e espanta, pois essa prática não é comum no nosso país.
O fato foi que essa publicação gerou muitos comentários, algumas discussões construtivas inbox, e me levou a refletir mais sobre essa relação entre a educação formal na escola (super rígida e controladora) e na família (permissiva e sem limites).
Nas pesquisas sobre o tema, encontrei um artigo mostrando os 12 principais valores socialistas, que foram definidos durante o 18º Congresso Nacional em 2012, pelos líderes do governo, e incorporados ao plano nacional de educação com o objetivo de tornar esses valores “um modo de pensar para os alunos“.
A implantação desses valores se deu no início do governo de Xi Jinping, sendo sua meta dentro da administração. Vale lembrar que todos os líderes chineses iniciam seus mandatos com alguma meta, baseada nos valores da sociedade chinesa. Hu Jintao usou o lema “Oito Honras e Oito Vergonhas”.
E quais são eles?
Os 12 principais valores socialistas
社会主义 核心 价值观 – Shèhuì zhǔyì héxīn jiàzhíguān
富强 – Fùqiáng – Prosperidade
民主 – Mínzhǔ – Democracia
文明 – Wénmíng – Cultura
和谐 – Héxié – Harmonia
自由- Zìyóu – Liberdade
平等 – Píngděng – Igualdade
公正 – Gōngzhèng – Justiça
法治 – Fǎzhì – Estado de Direito
爱国 – Àiguó – Patriotismo
敬业 – Jìngyè – Dedicação
诚信 – Chéngxìn – Integridade
友善 – Yǒushàn – Simpatia
*referência: Guide in China
A lista é bem grande, e se analisarmos bem, envolve tudo que se espera de um bom cidadão em qualquer lugar do planeta.
Eles representam um retorno aos princípios básicos da filosofia confucionista e pelos princípios morais, já que nas ultimas 3 décadas o desenvolvimento econômico foi a prioridade nesse pais.
Onde a prática e a teoria vão se encontrar?
Pois é… essa foi uma das questões que surgiram ao comparar o que vemos pelas ruas, nas lojas, restaurantes e parques, com o que é cobrado dentro da sala de aula, nos princípios básicos da educação.
Existem muito material de pesquisa bem interessantes sobre essas gerações de “pequenos imperadores” na China, e o que vemos hoje em dia com a primeira leva de jovens adultos pós abertura, não nos da muita esperança.
Sabemos que as circunstâncias com que tudo aconteceu na China nas ultimas décadas, levou os pais e avós a super protegerem seus filhos e netos, a darem tudo o que não tiveram no passado recente, tudo que o dinheiro poderia comprar, sem se preocupar com mais nada.
Isso está começando a refletir agora, na geração que esta finalizando sua graduação e entrando no mercado de trabalho sem nunca ter recebido um ‘não’. Jovens sem rumo, sem comprometimento, imersos em seu mundo virtual. Para quem o ‘ter’ é mais importante do que o ‘ser’.
Claro que toda a regra tem sua exceção e muitas variantes, mas chama atenção de qualquer um que chegue aqui, como as crianças são mimadas e sem limites. Talvez, com a mudança da lei do filho único, esse quadro possa reverter em alguns anos.
Só fica uma dúvida…
Será que isso só esta acontecendo aqui na China?
Não há uma tendência geral de super proteção (cada cultura com suas proporções) no mundo atual?
As respostas, acho que só o tempo nos dará.
E espero, que ele nos surpreenda!
Zài Jián!
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Cris, voltei!!!!
Como não comentar um artigo desses???
Fantástico!
Tenho convivido com alguns chinesesas no meu país, o que muda algumas coisas. Mas ao menos esses 12 valores ficam nítidos pra mim.
Confesso que às vezes fico meio confusa (rs) mas tenho um respeito enorme por essa civilização.
Avante China! ❤
Beijo grande Cris!
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OI Raquel,
Que bom te ver por aqui.
Sim, tem muitas coisas aqui que são bem especiais. Mas tem o outro lado que é a superproteção das crianças e não sei se isso vai acabar interferindo nesses valores…
Esperar para ver.
BEIJO
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Oi, Christine. Eu sou professora de Ensino Infantil e não sou mãe, então eu tenho um olhar mais profissional sobre o assunto. No Brasil, e acho que aqui na China também, a culpa que os pais sentem fazem com que eles “mimem” seus filhos. Ao passarem o dia longe das crianças os pais procuram deixar os momentos em família “menos tensos” e acabam dizendo sim para tudo. Muitas famílias de alunos meus no Brasil deixavam seus filhos de 4 anos irem dormir tarde para que pudessem ter momentos juntos, sem pensar que a falta de sono atrapalha o crescimento da criança. Enfim, acho que é um mal da sociedade atual termos que trabalhar tanto e ficarmos longe da família. 😉
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Juliana,
Obrigada pelo comentário.
Aqui na China o grande problema é que as crianças são criadas pelos avós, num universo de filhos únicos com 6 adultos os cercando de tudo, realizando todos os seus desejos.
Já vi briga entre avós numa gincana num Kindgarten, por conta de uma corrida de saco…rs.
E isso, da mesma forma é um mal da sociedade, como no Brasil. Mas cada uma tem sua realidade diferente.
Abraço.
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