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Diversidade Cultural. Afinal, quem está certo?

Há três semanas, conversando com uma moça chinesa, que fala um inglês perfeito e, apesar de nunca ter saído da China, acaba por conhecer muito da vida ocidental pois convive com estrangeiros diariamente, tive uma experiência fascinante.

Meu ritmo de trabalho voluntário na Baobei diminuiu bastante por vários fatores, entre eles as palestras que tenho realizado no Brasil (esse ano já fui duas vezes) e estávamos falando sobre isso. Quando disse que falava aos brasileiros sobre a cultura chinesa, ela me perguntou o que eu contava e se tinham muitas pessoas que tinham interesse nas palestras e na China de maneira geral. ’Como explicar para ela’, pensei.

Bom, perguntei a ela o que veio na sua cabeça quando eu disse que era brasileira. Sem pensar duas vezes ela respondeu: futebol e samba. Ok, o esperado. Então expliquei que sim, o Brasil é representado pelo futebol e pelo samba, mas existem milhões de outras coisas na cultura brasileira que iam deixar ela boquiaberta. E que ela só sabia sobre isso, porque de modo geral é o que a mídia mundial explora sobre o Brasil.

Da mesma forma a mídia mundial ‘vende’ uma imagem da China que come escorpião. Aí ela me interrompeu: ‘O quê você está dizendo?  O que é scorpion?’ Acho que nunca havia usado essa palavra em inglês e entrei no translator em mostrei em mandarim. Gente, ela ficou indignada. Perguntei se ela conhecia a rua em Beijing que vende os insetos em espetos para o turista, e ela disse que sim. Expliquei: então… A TV vem aqui fazer uma matéria e publica isso nos programas. Aí os ocidentais acham que todos os chineses comem escorpião todos os dias. A indignação cresceu, e ela disse que nunca havia comido escorpião na vida e ainda cutucou a senhorinha que estava cuidando do bebê (estávamos no hospital) e perguntou a ela se algum dia já havia comido isso. A senhora respondeu que não e ela retrucou: ‘está vendo? Nem ela que tem 60 anos nunca comeu isso na vida’. Meu Deus, como explicar um estereótipo para essa moça? Pedi que ela lembrasse a história do futebol, e que no Brasil nem todo mundo gostava ou sabia jogar futebol… Ela ficou pensando…

scorp

Meus filhos, laowais, já comeram escorpião. A chinesa que trabalha comigo nunca nem sequer pensou em experimentar… olha que coisa! =]

E, de repente soltou: ‘ok, mas o que mais você fala???’ uiiii.

Sobre os hábitos, a cultura, respondi. Por exemplo, o arrotar na mesa é uma coisa supernormal aqui, não é? Sim, ela respondeu. Então… No Brasil, e no mundo ocidental de modo geral, isso é uma tremenda falta de educação. Não se faz isso na mesa, nem em lugar nenhum que haja mais pessoas juntas.

Gente… Eu deveria ter filmado essa conversa, juro. Se soubesse que a coisa iria para esse lado, teria feito, porque nunca vou conseguir descrever a expressão dela no diálogo a seguir.

– Como assim??? – Ela perguntou com olhos arregalados? – E quando você está satisfeito, como demonstra? E quando você gosta da comida que a pessoa fez para você, como ela vai saber? E se seu corpo precisa colocar para fora a ‘satisfação’? O corpo pede isso… Como vocês fazem?

Tentei explicar (para ela, o inexplicável) que da mesma forma que nós abraçamos e beijamos pessoas que acabamos de conhecer, e isso é algo não muito aceito na China, principalmente entre homens e mulheres, o arrotar era algo não muito aceito na nossa cultura. Só os bebês eram estimulados a arrotar, porque não podem fazer diferente. E ponto. Então ela, super pensativa, solta essa:

– Então se eu for para o Brasil, ou Estados Unidos, e arrotar na mesa, vou ser mal educada?

Sim, eu falei. Vai todo mundo olhar para você com cara feia (rs). Ela riu e disse: Bom, saber…

Claro, que achei melhor mudar o rumo da prosa, até porque já havia dado muita informação para ela de uma só vez, e não queria ver a moça mais assustada.

Lily com um dos nossos bebês.

Lily com um dos nossos bebês.

Mas na realidade ficou uma enorme vontade de continuar e entender como o chinês vê a nossa cultura. O que ele realmente sabe, o que ele realmente entende.

E volto a frisar, essa moça é uma graça de pessoa, tem um nível de inglês acima da média, é muito proativa, é cristã (o que não é comum aqui, geralmente os chineses são ateus), conhece pessoas do mundo todo. Então, como diria minhas amigas estatísticas, ela está fora da curva… Não representa o chinês de modo geral. Se ela se espantou com duas informações que dei, como se comportaria um chinês comum, sem essa bagagem que a Lily possui?

E mais uma vez volto ao ponto que tanto intriga: ‘quem nasceu o primeiro? O ovo ou a galinha?’, ‘que cultura é a certa? A ocidental ou a oriental?’, ‘ser ou não ser? Eis a questão.’ E poderia elencar mais um monte de perguntas que não tem resposta, ou que a resposta será diferente para cada um que a responder, pois não há certo e errado. Há visões diferentes e pontos de vista opostos.

Mais do que isso, há realidades controversas e experiências que criam resistências, que mudam costumes, que se adaptam a vida de uma determinada sociedade, de um grupo específico. Isso é a pluralidade cultural, as características que definem um grupo, uma sociedade. E mais do que tudo, deve ser respeitada, por pior que seja aos nossos olhos.

Isso não quer dizer que se tem que concordar. Já escrevi diversas vezes e repito: há algumas coisas que respeito, até admiro, mas não concordo a ponto de trazer esse costume para a minha vida pessoal.

Só que vivo nesse país de ‘costumes esquisitos’ aos olhos ocidentais. Então respeito é o mínimo que me cabe ter.

Pensem nisso. O pré-conceito é uma das mais cruéis ideias do ser humano e que dificulta muito a aceitação e interação entre as culturas.

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O que você acha?

‘Ser livre é conseguir flutuar entre a diversidade e a multiplicidade, sem perder a própria identidade.’ Dimos Iksilara

Zài Jiàn.

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17 pensamentos sobre “Diversidade Cultural. Afinal, quem está certo?

  1. Pingback: Os mal entendidos com a cultura chinesa – pelos olhos chineses | China na minha vida

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  4. Excelente, amei!!!
    Certíssimo respeitar aonde vc vive, mesmo com a certeza q jamais seguirá os costumes com os quais conviveu por anos.
    Tb gostaria de ter visto a cara da Lily qdo vc falou do ‘arroto”….
    Beijusssssss

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    • Obrigada Mari. Já disse que as pessoas que vivem aqui tem um peso enorme quando me deixam um elogio. Vcs passam pelos mesmos caminhos e sabem bem como é complicada essa estrada. Mas aprendemos muito com ela. Bj

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  5. Essa diversidade cultural pode assustar às vezes mas é o que dá colorido ao planeta. E a imagem do Brasil de samba e futebol é a que é vendida pela mídia… da mesma forma que o Escorpião para os chineses. Um dia, quem sabe, a gente muda essa imagem meio idiota do Brasil. Parabéns pelo blog sempre tão intrutivo em todos os sentidos. Obrigada sempre!

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  6. como sempre!
    muito legal o post! que graça de criança na foto!……
    ………..ando sem palavras para te elogiar!…………..eu não sei se entendi direito, tem de comentar aqui e no post de aniversário?
    o fato é que sempre comento no post que li!……..
    espero que vc considere! como tem a observação, vou colocar lá tambeme, espero que dê certo!quero participar do sorteio!
    ……………beijão para vc e familia!

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  7. …realmente Christine, estereotipo eh uma questao complicada…Mas voce, como uma boa brasileira, teve o perspicaz “jogo de cintura” ao mudar o ritmo da prosa… Acho fascinante esses contrastes (pra nao escrever aberracoes) entre as diferentes culturas! Parabens pelo blog, os textos sao fluidos e inspiracionais!

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