Eça de Queiroz, em seu livro ‘O Mandarim’, descreve de forma caricata os chineses, através de seu personagem Teodoro: “Amor dos cerimoniais meticulosos, o respeito burocrático das fórmulas, uma ponta de ceticismo letrado e também um abjeto terror do imperador, o ódio ao estrangeiro, o culto dos antepassados, o fanatismo da tradição, o gosto das coisas açucaradas”.
E por mais bagunçada e aparentemente desorganizada que pareça essa sociedade, as regras sociais, hierárquicas e a ‘etiqueta’ são extremamente valorizadas e cobradas, mesmo dos estrangeiros que caem de ‘pára-quedas’ pelas terras de Confúcio.
Sim, ele é o grande responsável por todas essas minuciosas e, algumas vezes, estranhas regras de comportamento em grupo. Isso vale para a vida social, em família e principalmente no ambiente de trabalho e nos contatos profissionais.
Mas são tantas pequenas coisas e tantos ‘senões’ que até hoje, depois de quase 8 anos por aqui, cometemos gafes e aprendemos regras novas. Mas existem algumas que são básicas e extremamente comprometedoras para quem não as segue a risca. E aqui cometer a gafe social é muito mais do que a situação constrangedora do momento e depois ter que escutar as piadinhas dos colegas que presenciaram o fato.
Aqui, ultrapassar a linha é motivo para perder milhões, caso o contato seja profissional, ou ter o desprezo daquela pessoa pelo resto da sua existência. Isso se ainda ele não tentar uma ‘vingança’ para compensar o constrangimento que passou.
E quais são essas regras radicais?
A primeiríssima, de goleada, é o ‘não perder a face’. Que seria, em tradução literal, não passar vergonha na frente dos outros, não ser questionado, nem colocado em situações que o deixem humilhado. Ou seja, você pode ‘acabar’ com seu funcionário, mas jamais na frente de testemunhas. E aí entendi por que é tão difícil receber uma resposta direta desse povo. Aqui se você pergunta ao motorista: ‘você sabe chegar ao endereço x?’, a resposta será: ‘chegaremos lá’. No começo não levava isso em conta, mas comecei a reparar que sempre que a resposta era nessa linha, podia me preparar para ficar horas dentro do carro. Mas ele jamais vai assumir que não sabe um endereço da cidade se ele é motorista, isso o faria ‘perder a face’ frente ao patrão ou ao passageiro no caso de motoristas de taxi. E esse exemplo é o mais simples e corriqueiro que poderia dar. No ano passado quando estava procurando casa, havíamos gostado de duas. Mas não podíamos fazer a proposta ao mesmo tempo, até porque existia a predileta! Depois de uns 3 dias que entregamos a primeira, fui perguntar ao corretor o que havia sido decidido, se a dona havia aceito nossa proposta. Ele me respondeu que ela estava analisando os pontos fracos. Quase uma semana depois, eu já não agüentava mais e falei: dá para dizer sim ou não. Simples, direto, sem rodeios. Quero saber se ela vai alugar a casa ou não. Depois de meia hora, em ‘ahams’, ‘ehems’ e ‘uhums’, ele me olha (acho que já percebendo que eu estava à ponto de um ‘chinocídio’) e diz: bem parece que ela está insatisfeita. Meu Deus!!! Mas notem que o ‘não’ não foi dito.
E aí vem a segunda pérola: ‘não criticar ninguém’, na realidade deve ser para a recíproca ser verdadeira. Não critico, não sou criticado e acabaram os problemas. Então se você está numa roda de amigos e um colega fala um absurdo para seu ponto de vista, mude de assunto, olhe para o lado, assobie ou vá tomar um copo de água (quente) na cozinha. Mas criticar e fazer o colega perder a face na frente do grupo, vai fazer com que você de caçador vire a caça, se é que vocês me entendem.
Deu para notar porque o ‘não perder a face’ é o primeiro dos primeiros? Na realidade ele é a base de todas as outras regras.
Mas isso fica para o próximo, porque já escrevi demais!
Zái Jián! J
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