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Do paraíso a pandemia – A China que vivi.

Faz muito tempo que não apareço por aqui. Sigo no dilema de continuar ou não mantendo esse blog e toda essa informação a respeito da China e da vida cotidiana por lá.

Só que hoje, especialmente hoje, 28 de março de 2023, quis escrever algo para deixar um desabafo, um registro do que vi e vivi, as minhas percepções, lembranças, saudades e, infelizmente, as mágoas que os últimos 3 anos deixaram nessa trajetória de descobrir, entender e amar a China.

Sim, hoje, 28 de março de 2023 faz 3 anos que a China fechou as fronteiras radicalmente, só vindo a reabri-las em janeiro de 2023.

Nesse tempo houve muita historia triste, muitas pessoas que se separaram de suas famílias, de seus animais, que viram suas casas e seus pertences estarem trancafiados dentro de um país que não deixava ninguém entrar para resgatar o que era seu. Quem estava dentro, em 28 de março de 2020, se viu entre a cruz e a espada, sabendo que não poderia sair, pois isso representava o risco de não mais voltar. E não importava se a pessoa vivesse na China por 1 ou 10 anos, se era estrangeiro a regra era única e com quase nenhuma brecha.

Houveram exceções e historias menos duras? Sim, sempre há, mas de um modo geral os estrangeiros que viveram esse período na China perceberam que o paraíso não era tão inatingível quanto nos parecia até 2019. A pandemia chegou e nos mostrou o quanto podemos nos iludir com facilidades e uma vida leve, apesar dos desafios diários que é viver numa cultura tão diferente da nossa.

As coisas acontecem no tempo certo

E olhem que eu nem vivi in loco a pior fase desse período, que foi o ano de 2022. Até escrevi um texto sobre o mais duro lockdown da pandemia nesse link, mas meu relato foi sobre o que ouvi de pessoas próximas que estavam lá.

Definitivamente fui poupada da parte mais cruel desses 3 anos de pandemia na China.

Muitas vezes fico pensando que esse privilegio me tenha sido concedido para que não perdesse o sentimento que tenho por esse país e ao mesmo tempo, me mostrado que o paraíso não existia como pensávamos até 2019.

Posso me explicar melhor:

Nossa saída da China em 2021 era certa, pois meu marido já havia ultrapassado a idade de aposentadoria e a China não concederia outro visto de trabalho.

Caso a pandemia não tivesse acontecido bem no ultimo ano de nossa estada no país, fico imaginando o quão sofrido teria sido essa nossa saída para mim.

Meu amor pela China sempre foi explicito e divulgado. Me especializei na cultura chinesa e, por consequência, em mostrar a China sob meu olhar, seja pelo blog, nas palestras, treinamentos e até mesmo aos turistas que passearam comigo pelas ruas de Shanghai. Tenho certeza que convenci muita gente a mudar o seu próprio olhar sobre o país do meio.

Então ela veio e o governo chinês nos mostrou o outro lado de viver no país, das restrições radicais que até então os estrangeiros eram generosamente poupados de conhecer.

Nossa saída em 2021 foi tranquila, pois estávamos cansados, há 2 anos sem sair do país, sem luz no fim do túnel (isso porque eu nem imaginava o que estava por vir), então pensei: tudo se encaixa, e sempre há uma razão para as coisas acontecerem do jeito que acontecem. Fizemos a nossa parte, mas definitivamente, não temos o controle de tudo.

Sai da China, com a sensação de dever cumprido e com uma gratidão imensa por esse país e tudo que ele me proporcionou nos 16 anos que fez parte da minha vida cotidiana, porque a China ainda não saiu da minha vida (rs), apesar de alguns perrengues que passamos nos dois últimos meses.

Ficou a lição (que eu sabia, mas na teoria é sempre mais leve): estrangeiro será sempre estrangeiro na China, não há nada que mude isso. Você pode viver anos por lá, ter seus filhos, pagar impostos, divulgar positivamente tudo que envolve a cultura e sua gente, nada disso é levado em consideração quando seu visto expira. Acabou. Ninguém olha para trás.

E 2022 chegou…

E com ele o Omicron, a nova variante que pegou a China de surpresa e começaram as restrições sem sentido para quem estava fora e completamente incompreensíveis para quem não conhece a China in loco.

Além de muitos amigos queridos, pessoas que são minha família chinesa, meu filho mais velho, continua vivendo na China e todos eles se viram literalmente presos dentro de suas casas, sem acesso a nada, sem escolha e sem o direito de ir e vir.

E mais uma vez, percebi que a China não é o paraíso, muito pelo contrário. Descobri um lado que sempre justifiquei, tentei entender e fazer as pessoas que me ouvem e leem entender também.

Gratidão será para sempre

Mesmo com toda essa vivencia bem estressante e desafiadora, continuo sendo grata à China, pois não posso apagar tudo de bom que vivi, dos aprendizados que tive, das pessoas maravilhosas e queridas que conheci e que continuam fazendo parte da minha vida, da Christine que se redescobriu frente a um mundo que nāo era simples de decifrar. Tudo isso tem um peso muito grande na minha vida e jamais será apagado.

Só que hoje pondero mais as coisas, posso dizer que tenho um fiel de balança mais sensato. Uma visão mais ampla e real, e isso não é mal, muito pelo contrário: me dá mais segurança sobre o que vi e vivi, sobre o que continuar defendendo e o que ponderar na minha fala.

E com tudo isso, me deu uma vontade enorme de escrever esse desabafo, até porque essa data sempre será um marco para mim, pois é o dia do aniversário do meu filho mais novo, que estava fora da China e não conseguiu voltar, e ficamos longos 2 anos sem nos ver.

A montanha russa de emoções

Por fim, quero agradecer imensamente a você que ainda está aqui, lendo meus textos, me entendendo nessa montanha russa de sentimentos que de vez em quando me dá vontade de deletar o blog e em outros momentos de continuar escrevendo nesse espaço que me trouxe tantas alegrias e foi minha razão de viver numa fase de transição e duvidas, de me reinventar aos quase 50 anos.

Obrigada por respeitar minhas ausências e pelas mensagens de carinho que recebo, de pessoas que nem conheço, mas fazem parte da minha historia.

Acabar com esse espaço seria como como rasgar um pedaço da minha vida, do meu caminhar. Tenho consciência que ele não é mais o caminho principal, mas foi por ele que cheguei até aqui.

Se vou voltar a China um dia? As vezes quero ir amanhã (quando abriram a emissão de vistos quase fui ao consulado sem pensar muito), em outras acho que nunca mais vou, em outros momentos ainda, tenho a sensação de medo do que vou encontrar, de perder o encanto que ainda guardo no meu coração.

Tenho certeza que o tempo me mostrará o caminho.

Seguimos!

Zái Jián!

19 pensamentos sobre “Do paraíso a pandemia – A China que vivi.

  1. Pingback: A volta, depois de tudo… | China na minha vida

  2. Sempre bom ler você, porque tem sempre esse
    Tom de extrema sinceridade. Acho q entendo sua decepção, mas é isso: não há regime perfeito e a liberdade custa caro. Vivo esse dilema em relação a Cuba. O povo tem um serviço de primeira, mas a que custo? Deve ter sido muito triste Familias separadas, presas em suas casas ou sem poder voltar. Mas nada vai apagar os tesouros que você descobriu e divulgou na China.

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  3. Christine querida! Mais uma vez obrigada por mais está leitura que mostra o seu coração. Faz tempo que sigo sua página, afinal você escreve muito bem sobre um dos meus sonhos, mas não sou muito de escrever, afinal o que posso falar sobre a China? Muito pouco, além da vontade enorme de poder explorar aquele país e subir suas montanhas sagradas, exatamente assim como já tive de explorar o meu, o nosso país. Entendo a sua tristeza e sei que deve ser grande, uma vez que você foi tão feliz e este blog é a prova disto.
    Por este motivo estou escrevendo e vou ser, no meu comentário, absolutamente sincera.

    No Brasil, por Covid foram reportadas 194.949 mil mortes, de março a dezembro de 2020. As notícias para o ano de 2021 foram, de 1º de janeiro até abril, por Covid, reportadas mais 195.848 mortes, e daquele mês em diante até dezembro do mesmo ano conseguimos alcançar a marca de 620 mil mortos.
    Daquele final de anos, até o mês em que estamos em 2023 chegando a 700 mil pessoas mortas por Covid, e tudo isto num país de + ou – 215 milhões de habitantes.

    Tivemos perdas irreparáveis aqui e não podemos nos cegar para as causas que nos levaram a estes números. O mundo é o mundo, a vida é o que é! Políticas são apenas parte do contexto e independente do que produzem, não podem apagar o que sentimos.

    Sei que você entende perfeitamente o que estou dizendo.

    Desejo que você encontre, onde está, algo tão incrível, que comece a escrever um outro blog sobre o assunto, ou um livro, e seja o que for, que você venha sempre nos contar desta forma tão viva, tudo o que te fez vibrar, o que, tão lindo tocou o seu coração e que você não se contenha.

    Igualmente desejo que, quando você tiver a oportunidade, volte a China, faça e refaça todos os caminhos e passeios que amou e conseguir, abrace esta alegria e felicidade, afinal a impermanência é uma verdade absoluta na vida, mas a alegria idem! E que venha aqui nos contar com a mesma alegria e detalhes que nos trazem seus sentimentos.

    Tenho certeza que o tempo te mostrará o caminho.

    Seguimos todos!

    Zái Jián!

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    • Obrigada, Rita.
      A pandemia foi um momento muito difícil para todos nós, em qualquer parte do mundo.
      Suas palavras, todo carinho contido em cada linha dessa mensagem é que me mostra o quanto pude tocar o coração de cada pessoa que me segue, que busca informação e relatos de uma experiencia única.
      Obrigada por estar aqui e, mesmo no virtual, o que a China uniu, o mundo não separa.
      Seguimos!

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  4. …as indecisões na vida dela fazem parte…porém, guardar o que foi bom em nosso coração também faz parte…a experiência de 16 anos é importante e poderá iluminar a ida de outros até a China nesse nosso mundo globalizado, mantenha o blog, conte as lembranças de uma cultura milenar tão interessante e bonita que você teve a oportunidade de viver e agradeço por tanto ter me ensinado…abraço e boa sorte

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    • Rosmari,
      Obrigada pela sua mensagem e vc tem toda razão: o que vivi jamais será apagado e tenho certeza que ainda muita gente vai se inspirar em ir à China lendo esses relatos que deixo registrados aqui.
      Seguimos!

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  5. Chris não desista dos encantos que tu viu; não desista do que teus olhos viram; não desista de ver o lado bom memso quando há escuridão. Eu te acompanhava em extâse aguardando o próximo post, porque eu sonhava visitar a china desde jovem e ainda não pude ir. Eu viajei contigo, nas casas de chás, jantares, ruas, até no jogo de mahjong…A pandemia foi uma dor mundial com erros e acertos por parte dos governantes e doloroso para todas as pessoas….deixe teu blog aberto e sempre que tiveres vontade venha conversar. Não perca o encanto, assim como eu muitos te seguem por que através do teu olhar vivem a experiência de conhecer esse lugar cheio de história que é a china. Jiayou Chris…que as lanternas sempre te iluminem os caminhos….

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  6. Cristine, lindo texto. Não pare , essa história não pode parar, enquanto aqui estiver, escreva, nos dê esse prazer. Com todas as pedras da pandemia e seus horrores, vc consegue deixar essa China mais linda e sentir a gratidão por td que lhe foi proporcionado….gratidão, gratidão…Sempre! ❤️🇨🇳

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  7. Querida amiga, Li com muita emoção as suas vivências de contradições e sentimentos…

    Estive na China, em Guangzhou, durante 4 anos… maravilhosos…

    Creio que a compreendo… gosto muito do seu blogue que pode ser guardado em livro… de vez em quando volto e releio…

    Um dia, se o publicar eu compro. Serei sempre sua fã… obrigada por tudo o que me tem proporcionado. Estou em Portugal e dou aulas numa escola internacional, que também tem jovens chineses..

    Abraço sempre agradecido.

    Deolinda Pereira de Barros

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      • Gosto muito dos seus textos em especial sobre a China … entendo a sua decepção mas acho que ela não.pode superar o período que vc lá viveu e que te marcou tanto … A vida é assim … paraísos não existem mesmo …
        Fazer o que ?? A vida segue como vc mesmo diz…

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