Eu já havia lido em alguns livros sobre a questão das segundas esposas ou concubinas na China antiga. As regras eram claras e isso chegou a causar muitas brigas, ciúmes e tragédias na história do Império. Num dos livros que recomendei aqui no blog, “A boa terra” de Pearl Buck, relata o sentimento da esposa do camponês quando ele decidiu trazer uma segunda esposa para dentro da sua casa. No livro ‘A Ultima Imperatriz’, da mesma autora, toda a história é calçada na ascenção de uma comcubina ao papel de ‘preferida’ e, literalmente, dominante dentro do Império.
Mas isso foi há muito tempo, e com a revolução cultural, as mudanças radicais que aconteceram na China nos ultimos 60 anos, não captei que isso ainda era uma prática corrente. Mas sábado passado, tive uma aula sobre marketing na China e dentre alguns artigos que lemos, estava o de Tom Doctoroff, publicado em fevereiro de 2011, que tem como título:’Segundas esposas e efervecência do mercado de luxo na China’ (tradução literal), que pode ser conferido aqui para quem tiver curiosidade (em inglês).
Bom, claro que isso ficou martelando na minha cabeça, até porque a discussão também nos levou a conclusão que é ainda uma prática comum na China. E continua causando os mesmos problemas sociais que haviam no império: ciúmes, disputas de poder em familia e, se não tragédias, ao menos algumas discussões acaloradas entre as ‘esposas’.
A última Imperatriz, concubina que deu o filho homem ao imperador e se tornou uma das mulheres mais poderosas da história da China.
E ai, o que posso contar a vocês é que as Er nai (二奶), segunda esposa ou Xiao San (小三), amante (ou no sentido literal do chinês: a terceira jovem, a terceira pessoa dentro do relacionamento) não sãooficialmente aceitas, mas também não são discriminadas completamente. Na realidade são aceitas pela cultura na sua essência! Para o homem que escolhe ter a‘er nai’, elas representam status, pois isso significa que eles podem manter duas mulheres confortavelmente dependendo dele.
E, acreditem: elas são caras. Pois levam o status de xiao san e querem ser reconhecidas por isso mostrando o quanto o ‘marido’ cuida bem delas e lhes dá do bom e do melhor (e que melhor…).
Lá no passado, bem longinguo, era claro e mandatório que todo homem para ‘cumprir seu mandato do céu’ teria que ter um filho homem. Se a primeira mulher não havia lhe dado isso (até hoje os homens em geral, teimam em pular a aula de biologia que explica que o sexo do bebê é definido por eles, mas isso é outra história…rs), eles tinham o direito de buscar esse filho com a segunda esposa. Mas claro que a primeira era a primeira, se é que é possivel se manter de cabeça erguida, com uma moça muito mais jovem, as vezes morando na mesma casa, e sabendo que ela está lá para cobrir uma falha dela. Cruel, no minimo.
Aí voltamos naquele ponto que sempre tento ressaltar quando falamos da cultura chinesa: o que vai contra os nossos princípios, nossa criação judaíco-cristã ou como vocês queiram chamar os nossos códigos sociais, nos assusta e muitas vezes nos causa revolta e/ou repulsa. Mas não para eles. Na realidade a recíproca é verdadeira na mesma proporção. Nós também chocamos eles em muitas das nossas atitudes corriqueiras.
Então, para recapitular e catar o fio da meada, precisamos entender que infidelidade nem sempre é desprezada pela sociedade e amor não é a base para o casamento. Pelo menos aqui na China. E já escrevi sobre essas ‘razões para o casamento’nesse post aqui.
E num dos muitos artigos que li, a entrevistadora perguntou ao homem porque ele mantinha o casamento se, publicamente, assumia sua predileção pela amante. E ele, sem nenhum tipo de constrangimento, respondeu que era por conveniência. As duas familias estavam felizes com o casamento, eles haviam feito um patrimônio considerável e romance eles buscam em algum outro lugar. E é assim mesmo. Casamento aqui é troca de interesses, dotes, soma de patrimônio, conveniência para o status social. Assim já era na época dos imperadores e continua sendo em pleno século 21.
Mas o fato é que parece que esse fenômeno, que até havia dado uma trégua durante os anos da revolução (afinal o que tinham as pessoas para conquistar uma er nai?), está ganhando força e vulto tão rapidamente como as contas bancárias e fortunas inimagináveis dos chineses. Vários blogs aqui na China, a maioria de estrangeiros, relatam e mostram as grandes confusões que são armadas pela China afora. Por que, hoje em dia, as mulheres chinesas já não são tão passivas quanto eram. E aí, li muita história de esposas que acham ótimo que o marido tenha a er nai e a deixe tocar a vida como bem entende, mas também tem as que vão atrás e saem literalmente no braço, como nessas fotos desse blog, que coloquei abaixo. E só para esclarecer, o marido está protegendo a segunda esposa e deixou a primeira no meio da multidão.
Agora, também li estórias de er nai que vai na sua BMW na casa da esposa oficial e fala horrores para ela, com a intenção de desmoralizá-la e quem sabe ter o caminho livre para ser a oficial. Ai, o ser humano! No final esses sentimentos básicos são universais, apesar das diferenças culturais.
Ah, já ia me esquecendo: tudo isso começou por causa do artigo da aula de marketing, que queria mostrar que as ‘er nai’ são o segundo maior volume de compras no mercado de luxo chinês, já que além delas exigirem o que podem, os homens também querem mostrar que podem proporcionar o que há de melhor para suas segundas esposas. E um dado interessante nesse artigo é que o governo proíbe os seus funcionários de terem uma er nai. Mas nada tem haver com defesa da moral e dos bons costumes. É só para evitar mais corrupção, porque está claro que um funcionário do governo não tem como manter a familia oficial e mais a sua segunda esposa dentro dos padrões básicos requeridos para isso!
O primeiro lugar no movimento desse mercado de luxo fica com os homens de negócios que usam as griffes para presentear seus fornecedores, clientes e membros do governo, mantendo a harmonia do seu relacionamento empresarial (e isso também dá um bom texto… fica para a próxima!)
Zài Jiàn.
todos os homens chineses fazem isso?
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Oi Aryane,
Não, não todos, como em qualquer sociedade. O interessante na China, e por isso que relatei, é a maneira como eles encaram a questão. Já teve uma época que um homem podia ter a esposa e várias concubinas, mas hoje a poligamia não é mais legal na China.
Abraço
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