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Nanjing – Memorial das Vítimas do Massacre

Esse é meu último post sobre a visita a Nanjing. Já disse que pretendo fazer outra visita a cidade, pois descobri que ainda existem coisas que valem a pena conhecer. E pela proximidade de Shanghai, com certeza daremos mais um pulinho lá…

Se você não leu, confere aqui os outro posts.

Bom, mas voltando ao tópico desse artigo:

O Memorial das Vítimas do Massacre de 1937.

De tudo que vimos, foi o local mais impactante e marcante na nossa visita. Algumas pessoas que contei sobre ele, me disseram que não gostariam de ir por ser algo muito triste, pensando nas coisas horrorosas com que poderiam se deparar.

De verdade esse era meu medo, pois sinceramente não gosto de ver as coisas nuas e cruas. Por esse motivo sempre prefiro a leitura de um bom livro do que ver um filme, principalmente quando se trata de histórias de guerras, massacres, injustiças…

Para nossa surpresa, nos deparamos com um lugar bonito, mas cinza, que deixa bem clara sua intenção. Mas dentro de um conceito museológico contemporâneo, usando imagens, textos, objetos resgatados da época e depoimentos de sobreviventes, o local mostra o que foi esse massacre, sem que isso agrida o visitante.

E, depois de percorrer a parte externa e interna, nos deparamos com um local ecumênico, um hall de meditação pelas vítimas. Ao sair dele, somos levados a um jardim com um espelho d’água translucido e no final uma estátua representando a paz. Muito simbólico e o efeito no publico acredito realmente ser o que os idealizadores planejaram. Se ouve muitos ‘ahhh’ quando saímos da sala de meditação para o jardim.

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Um pouco de história

Nanjing, é uma cidade pitoresca que encontra-se junto ao rio Yangtze, deve a sua fama à sua posição geográfica favorável, profusão de talentos e sua importância histórica. Tendo servido como a capital de dez dinastias na China antiga, o seu esplendor se manteve por séculos e cresceu quando o governo da República da China estabeleceu sua capital lá, em 1927.

No entanto, o Japão, em 13 de setembro de 1931, iniciou uma invasão e a guerra para tomada  da China (que era o objetivo desde o tempo do império). Recebendo nenhuma resistência por parte do governo da República da China, as tropas japonesas ocuparam as três províncias do nordeste da China dentro de um período de cinco meses. Marchando para o sul, lançaram todas as ofensivas em Shanghai e Nanjing, a sede do governo, começando assim um holocausto de pesadelo que transformou a cidade, tida como o paraíso, em um inferno na terra.

Em 13 dezembro de 1937, o exército japonês transferiu-se de Shanghai para Nanjing atacando a cidade que era a capital da República da China. Chiang Kai-Shek, então presidente da República, ordenou as suas tropas de elite para evacuar. O governo também mudou-se acima do rio Yangtze. Os líderes do exército acreditavam que era melhor travar uma guerra com as melhores tropas do interior do que deixar o exército ser destruído em Nanjing.

No entanto, várias tropas permaneceram para defender a cidade. Os civis tentaram fugir, mas muitos foram pegos na cidade por causa das pontes, estradas e meios de transporte que levavam para fora de Nanjing terem sido destruídos para retardar o avanço japonês.

Os sobreviventes, sejam os estrangeiros ou o povo local, relatam  situações abomináveis e descabidas, incluindo estupro, torturas e assassinatos de civis. As estimativas sobre o número de chineses mortos no período de seis semanas após a invasão dos japoneses variam muito.

Primeiro por que chegou uma hora que era impossível fazer contas e, segundo, que muitos corpos foram incendiados junto com casas e prédios e outros tantos haviam sido jogados no rio.

Houve muitos saques e atos criminosos contra ambos, os soldados e os civis. Talvez teria sido melhor para o governo ter ajudado os civis a fugir e deixado o exército ter uma rota de fuga. Mas no final o que aconteceu ali serviu para impressionar os japoneses, que também eram conhecidos por lutar até a morte na Segunda Guerra Mundial. Talvez eles não esperassem uma tentativa de defesa por parte dos chineses, em especial os civis.

Fatos que estão expostos

O Memorial foi construído pelo Governo Municipal Nanjing em 1985, e foi ampliado em 1995. Com uma área de 28.000 metros quadrados, está localizado no Jiangdongmen, um dos locais de execução e sepultamento em massa do massacre.

Solene e imponente, a arquitetura de mármore cinza consiste em três partes: as exposições ao ar livre, os ossos remanescentes das vítimas e a sala de exposições para documentos históricos.

Segundo nosso guia, o projeto dessa construção, com o objetivo de mostrar o que fosse possível das atrocidades cometidas pelo Japão contra os chineses, deu-se quando o governo japonês pediu uma revisão na ONU sobre o ‘tamanho’ da sua responsabilidade em relação ao período de guerra com a China e em especial a esse episódio de Nanjing. Os chineses, com razão, indignados, resolveram buscar o que havia de provas dessa atrocidade.

O Memorial mostra (centenas de vezes) que 300.000 pessoas foram mortas no massacre. De forma brutal, sem poupar crianças, idosos e mulheres.

Ao ar livre

As exposições ao ar livre representam a dor e indignação, a vida e a morte. Estátuas, esculturas de grupo e esculturas em relevo se misturam com pinheiros e ciprestes, além de um monumento sobre o qual é gravado a data dos acontecimentos trágicos  – “1937.12.13 – 1938.1” – na realidade isso mostra que todos sabem o dia que o massacre teve início, mas ninguém sabe ao certo, o dia que terminou.

Museu principal

Logo na entrada há paredes de mármore com todos os nomes das vítimas gravados. Três grandes grupos de relevos e dezessete ‘tabuas’ sobre as quais os principais locais e fatos históricos do massacre foram esculpidas, rodeado por árvores e pedras murchas (artificiais).

Os ossos de vítimas do massacre, que foram escavados a partir do solo de Jiangdongmen em 1985, são exibidos em uma sala de em forma de caixão. Um outro salão de exposição no subsolo, contém mais de 1000 itens que ilustram a terrível tragédia. Pinturas, esculturas e vitrines iluminadas e telas multi-midia, bem como documentários, todos contribuem para essa triste lembrança dos crimes perpetrados contra os civis.

Saindo desse prédio, existe um grande espaço onde as paredes estão cobertas de estantes e pastas com documentos catalogados – registro das vítimas, diários e fotos. As pastas estão disponíveis para consulta e me pareceu que esse local é usado para ações educativas/interativas com as escolas.

Li uma declaração que reproduzo aqui, numa tradução livre:

Experiências do passado, se não esquecido, são um guia para o futuro.

O Memorial Hall apresenta não só para os chineses, mas também para sucessivas gerações de japoneses, que só uma aceitação e compreensão dos erros do passado podem criar um futuro melhor para a humanidade.’

Esse trecho enfatiza o que nosso guia nos falou bem no inicio da visita, a visão do chinês a esse episódio negro da história recente da China..

Além de tudo o que vimos e ouvimos, uma coisa que me chamou atenção foi que todo o material do museu, seja audiovisual, banners, impressos e legendas, está escrito em mandarim, inglês e japonês. Na saída do  Hall de meditação há um bancada com ‘origamis’ entregues por escolas japonesas como uma homenagem as vítimas.

O que guardei para mim

Não estou aqui para dizer quem tem razão. Afinal os chineses também tem um passado que os condena em termos de atrocidades, dentro dos seus próprios limites, como tantos outros povos e países que, infelizmente, a história nos mostra e nos faz pensar.

Pensar na questão da humanidade como um todo. Não acredito em países, continentes, raças ou credos. Acredito em pessoas (ou às vezes desacredito), pois são elas, somos nós, que marcamos a história desse planeta com amor e compreensão ou com sangue e lágrimas.

O mal não pertence a esse ou aquele grupo, pois em todos eles há pessoas do bem, seres humanos munidos de amor, fé, boa vontade, consciência coletiva, ou como queiram chamar. E também há os gananciosos, sem coração, egoístas, sem compaixão, capazes de arquitetar ‘conquistas’ sangrentas, sem a mínima preocupação com a consequência de seus atos e que, no final, não os levarão a lugar nenhum.

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Esse casal estava tão compenetrado lendo a placa, que me chamou atenção. E acho uma coisa bem interessante como o chinês leva seu patriotismo a sério. Não era Copa do Mundo, nem feriado nacional. Mas muitos exibiam suas bandeiras coladas no rosto, enfeitando a cabeça ou as roupas.

 

O que mais choca no Memorial, ouvindo a história, foi o ataque a inocentes, a civis. Pessoas como eu e você, que só queremos cumprir nossa parte nesse planeta e deixar algo de bom para as próximas gerações. No ano passado visitei, pela primeira vez, o museu do Holocausto em Berlim. E a sensação foi praticamente a mesma: indignação com o ser humano.

O pior de tudo isso é que parece que ninguém, no mundo, aprendeu nada com essas experiências medonhas do passado. Às vezes acho que a humanidade está andando para trás.

Fica aqui, numa época de tantos conflitos e refugiados mundo afora, um ponto para pensar…

E você, como vê tudo isso?

Zái Jián!

 

 

15 pensamentos sobre “Nanjing – Memorial das Vítimas do Massacre

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  4. Penso como você, Chris, não se tratá de nação, raça ou credo. São pessoas, seres “humanos” cruéis cujá preocupação com o poder sobrepuja qualquer outro sentimento.
    É doloroso demais, especialmente porque marcas como essa não se apagam e pessoas como essas ainda existem e estão por aí praticando maldades em todos os graus pelos mesmos objetivos.
    Obrigada pelo texto incrível, bjs.

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  5. Muito bem projetado,gostei da ideia de criar um cenário de paz depois de mostrar algo tão impactante,quando for na China certamente irei nesse local.

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  6. Sim Christine, gostei muito, principalmente da sua reflexão. Aqui na pequena cidade de Goiás, a antiga capital do estado e patrimônio da Unesco, iniciamos o tempo de quaresma, que nos leva a reflexão sobre o ser humano, na sua caminhada sobre o nosso planeta. Este é o tema da campanha ecumênica da fraternidade – o cuidado com a nossa casa comum, o planeta terra e todos os seus habitantes de diferentes culturas. Também a natureza destruída.
    Como você sabe me prepara para conhecer você e a CHina. Tenho lido bastante me impressiono com sua longa história, sua cultura e o povo chinês capaz de resistir, mudar, se transformar e continuar a caminhada num processo tão rápido, por caminhos tão deferentes. Por mais que sofram, há nesse povo uma capacidade de resistência e de vida que me impressiona muito. Por isso desejo me aproximar desse povo. abração. arcelina Helena

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