Por mais maluco que esse país possa parecer, por mais insensíveis que os chineses se mostrem, existem algumas coisas que são sagradas para eles: as chamadas virtudes tradicionais. Sinceramente não sei se é algo que se repete mecanicamente, geração após geração, ou se o sentimento é arraigado e de tal forma que nada pode mudar isso. Mas eles existem e são cumpridos à risca pela maioria dos chineses.

Essas virtudes foram construídas através dos séculos e são à base dos códigos de moral da sociedade, determinando as regras e ultrapassando os limites do progresso e das inovações tecnológicas. As virtudes são cinco:

– Virtude Filial – respeitar e cuidar dos pais idosos são obrigações natas para o chinês. Eles acreditam que só quem pratica essa virtude pode ser considerado honesto, fiel, grato e que reconhece toda a dedicação recebida dos pais.

– Respeito pelo idoso e amor pelos jovens – essa virtude sempre foi considerada uma responsabilidade social e uma norma de comportamento. Desde o período de Estado de Guerra (475 AC/222 AC), foi pregado que cada um deve respeitar os idosos como se fossem seus pais e amar os jovens como se fossem seus próprios filhos. Quem desrespeitasse essa norma, não só seria criticado publicamente, como também punido pela lei. Mesmo com todo o desenvolvimento da China moderna, esse código continua como um dos principais pilares da moral chinesa. A lei diz claramente que todo cidadão chinês tem a obrigação de amparar seus pais e seus filhos. Eles acreditam que essa virtude é a base da harmonia familiar e a estabilidade da sociedade.

– Respeito aos professores e valorização da Educação – Descartando o período da Revolução Cultural, a educação sempre foi valorizada na China. A sabedoria, o conhecimento e a aprendizagem eram tesouros impossíveis de mensurar. Em consequência dessa atitude, o professor era visto como um sábio, admirado pelos comuns e pelos nobres. Um acadêmico sempre estaria no topo da sociedade, independente de suas posses materiais. E nos últimos 25 anos, o esforço para o resgate desses valores não tem sido em vão.

– Três amigos no Inverno – simbolizada pelo bambu, pinheiro e a cerejeira, Song Zhu Mei ( 松竹梅), que florescem no inverno e que são adoradas pelos chineses por causa da capacidade delas passarem por essa estação como três amigos que nutrem a mesma ideia de dar boas vindas à primavera, após vencerem esse duro período. Essa é a razão do nome, bem poético, diga-se de passagem, para essa virtude que simboliza o caráter nobre e a persistência que os chineses buscam como exemplo de vida. Gravuras com os ‘três amigos’ são estampadas em qualquer objetivo ou peça de vestuário. Cada planta possui seu significado – pinheiro-longevidade; bambu-segurança e prosperidade; cerejeira-boas novas. Juntas simbolizam a perseverança, integridade e modéstia.

– Integridade e credibilidade – que significa justiça. A palavra torna-se verdadeira através da ação, mantendo sua palavra e nunca trapaceando o outro. ‘Ser sempre verdadeiro no que diz e resoluto no que faz’ – foi uma das máximas transmitidas desde a antiguidade através das gerações, que dava ao povo chinês a fama de serem íntegros e manterem sua palavra; fama que foi honrada por séculos. Antigamente era costume se dizer aos que entravam num comercio: ‘produtos originais por preços justos, igualmente honestos para clientes idosos ou crianças. ’, que mostrava a honestidade nos negócios. (ok, essa virtude acho que foi um pouco deturpada com a modernidade…).

Sinceramente, acho que as três primeiras virtudes são realmente imbatíveis até os dias de hoje. Já vi e ouvi muitas histórias de chineses que largam tudo na cidade grande, para voltar ao interior do país e poder cuidar dos pais. A questão da educação hoje em dia é vista como a possibilidade de melhora de vida, além do conhecimento adquirido, da sabedoria. Por isso os pais fazem esforços absurdos para pagar uma escola melhor ao filho e o professor é respeitado por ser o agente dessa conquista de cada aluno. A quarta, ainda é presente e simbolicamente existe.

A última, bem… Vamos combinar que a globalização, a competição desenfreada e ‘lei de Gerson’ que também é praticada, a seu modo, na China, colocaram um pouco de areia nessa virtuosidade. E quem faz negócios com chineses sabe do que estou falando. Por outro lado, se começamos a negociar com um chinês num mercado de turistas, por exemplo, ai de você que abandone a negociação no meio. Eles vão atrás mesmo, ficam bravos. Sempre alerto as pessoas que chegam aqui que pensem bem antes de começar uma barganha. Se decidir começar, vá até o fim. Ou simplesmente vire as costas quando o vendedor te pedir 1000 remembies por um colar de pérolas que custa 100, no máximo. Não adianta querer se divertir, vendo o cara baixar o preço em 90% e sair rindo sem levar a mercadoria. No mínimo, você fez o vendedor ‘perder a face’, o que é a maior vergonha e desonra para qualquer chinês.

Essas são mais algumas das atitudes chinesas que confundem o estrangeiro: a preservação de virtudes milenares numa sociedade onde o descartável e a filosofia do ‘me first’ também são tão presentes. Fica a interrogação para cada um tirar suas conclusões…

Zài Jiàn!