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As boas mulheres da China (livro)

Esse foi um dos ultimo livros que li sobre costumes e sociedade. Escrito por Xinran, uma jornalista que vivia em Nanquim, o livro é a coletânea de relatos e entrevistas que ela fez num período de quase 10 anos (1989 a 1997), por diversos locais e províncias chinesas, tentando mapear qual seria a realidade da mulher chinesa pós revolução. Desde 1983, quando o então presidente Deng Xiao Ping, iniciou a abertura na China, mas dentro de um processo lento e cauteloso, além de controlado, os jornalistas puderam começar a se aventurar a buscar meios de passar as notícias da própria China e do mundo de maneira mais clara e direta. Até então (desde 1949) tudo era extremamente controlado, vigiado e severamente punido. As noticias do mundo pouco chegavam até aqui. Era como se nada existisse além daquela realidade, além da China.

E, num parênteses, isso foi muito interessante de notar, por exemplo, em 2005 quando estávamos em Chang Chun, percebemos que o Brasil era sinônimo de futebol. Até ai nenhuma novidade… Os idosos eram Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. Ninguém podia perceber que éramos brasileiros que lá vinha o jargão: ‘Baxi football Lonaldinho han hao!’, a grosso modo: Brasil futebol, Ronaldinho muito bom! Mas se falávamos de Pelé, ninguém sabia quem era, se ouvia o conhecido ‘meyou’ ou ‘bu shi’. Ambas palavras negativas. Ai pensando um pouco cheguei a conclusão que realmente eles não poderiam saber quem foi o atleta do século na década de 1970!

 Bom, mas Xinran comandava um programa de rádio que tinha como objetivo ser um canal aberto para a mulher falar de seus problemas, medos, sonhos. Atividade extremamente audaciosa até hoje na China. Naquela época então, a considero uma desbravadora. Claro que esse programa era realizado na madrugada, e na maioria das vezes ela recebia cartas e relatos fora do ar. Para a mulher chinesa era e ainda é muito difícil falar de sentimentos. Melhor dizendo: para o chinês de modo geral. O que se pensar então de se abrir e remexer num porão de mágoas, sofrimentos, humilhações, traumas e isolamento.

Além desses relatos, ela fez visitas in loco, em muitos lugares e entrevistou mulheres (muitas sem nem saber que estavam sendo entrevistadas) que relataram histórias inimagináveis para o mundo entrando no século 21. Com todo esse material em mãos, ela resolveu publicar um livro, mas foi proibida pelo governo. Assim ela resolveu sair da China e mudou-se para Londres. Lá publicou não só esse, como mais 5 livros. As Boas mulheres da China (The Good women of China) foi publicado em 2003.

É um livro muito interessante, mas muito triste também. Algumas histórias chocam, outras emocionam. Há as que nos fazem vibrar pela garra e determinação de um ser humano frente uma situação extrema de sofrimento e dor. Existem alguns relatos pessoais também, da infância que não consegue esquecer, como é o titulo de um dos capítulos. Sinceramente, fiquei aliviada quando terminei. Como se fechando a ultima página, acabariam minhas reflexões sobre o que li. Mas a nossa mente nem sempre nos obedece, né? E sempre me vem na cabeça algumas das histórias que li quando vejo algumas senhorinhas na rua (como a que fazia pulseiras de jasmim, que publiquei a foto outro dia), ou mulheres da minha geração, na faixa de 40 a 50 anos que nasceram e cresceram durante a época da fome, e dos extremos partidários. Tantas perguntas pipocam, tantas respostas me faltam. É uma sede difícil de saciar, principalmente por conta do idioma e da dificuldade que o chinês tem de se abrir, de falar do próprio sentimento. Outro dia ouvi uma moça de 22 anos me dizer ‘ainda temos medo, não é fácil mudar’. Hoje o livro não me assusta mais, fiz as pazes com ele.

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Agora o que mais me marcou, e que segundo a autora um dos motivos que a impulsionou a fazer a viagem a Londres em 1997, foi o relato da visita que fez ao Vale do Grito. Meu Deus, as pessoas viviam em pleno 1996, como na idade das cavernas, literalmente. Quando citei acima que algumas mulheres não sabiam que estavam sendo entrevistadas, foram as dessa aldeia. Xinram decidiu nem tirar da bolsa a maquina fotográfica, ou qualquer outro objeto que pudesse sequer despertar algo de curiosidade naquelas mulheres, naquele povo. Ela cita que ficou com medo de não saber como explicar que fora daquelas cavernas existia um mundo. Vocês podem imaginar que exista um povoado sem luz, acesso a bens de consumo banais para os dias de hoje como geladeira, rádio, cama, copos? Pois aquele povoado era, ou é pois nunca mais ouvi nada sobre eles, assim. O desespero dela, o pavor, era de despertar naquelas pessoas a curiosidade sobre um mundo que elas nem sequer sonhavam que pudesse existir. Não sei se vocês conseguem entender o que estou falando sem ler o texto, mas é extremamente perturbador. Não pelas condições de vida somente, mas por percebemos que existem pessoas ainda vivendo nas mesmas condições de vida de 8 mil anos atrás. Uma loucura, completa.

Vale à pena conferir!

Zái Jiàn!

11 pensamentos sobre “As boas mulheres da China (livro)

    • Olá Aristóteles,
      Não acho que seja, em especial nas cidades grandes. Na zona rural ainda há muita pobreza, mas mesmo nos locais mais afastados que fui, todos tinham seu smartphone e todos os app que invadiram a vida diária do chinês. Por conta disso, pensando em toda transformação dessa sociedade, tudo evoluiu, com certeza.
      Até a questão do filho único que não existe mais por lei.
      Abraço.

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